sábado, 7 de agosto de 2010

Onde está nosso tesouro?


"Assim fala um rico tolo, no escuro da sua zelosa solidão! Pensa só. E só pensa em si! Dialoga, em surdina, com os seus livros de contas de somar! Entretendo-se, em conversa fiada, com os seus números. O seu nome nem sequer é conhecido.
Pobre tolo! Este homem rico não presta contas à vida, e muito menos conta com Deus para alguma coisa. Engorda, em vez de crescer! E morrerá, sem nunca viver!
Esta parábola presta-se a muitas e interessantes reflexões. Podíamos falar do ridículo da ganância e do risco das riquezas; como podíamos aproveitar a frase do rico tolo, como verdadeiro programa da cultura da curtição: «descansa, come, bebe e aproveita» (Lc.12,19)! Mas o que mais me impressiona é o «erro de cálculo» deste homem! A ciência dos números, e das suas contas feitas de cabeça, não lhe permitiram aprender a sabedoria do coração.
Era essa sabedoria do alto, que invocava o Salmista, ao rezar: «Ensinai-nos, Senhor, a contar os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração» (Salmo 90,12). Pede a sabedoria, para aprender a medir os tempos e as idades da vida; para distinguir o urgente do essencial; para não se ofuscar com a luz que reluz do ouro falso da vaidade. Não seja este o tempo da insensatez, do homem terreno, numa avareza desmedida de ter e de comer o mundo com os olhos.
Quem quer ter o prazer dos frutos da colheita, sem se dar a saboreá-los, colhe a desgraça de morrer antes do fim. O homem novo aspira às coisas do alto, e, por isso, jamais “renuncia à poesia, ao amor e à santidade”…
Iniciamos o mês de agosto. É uma boa ocasião, para avaliar o ano percorrido. Este é o tempo propício a dissipar tensões, repressões, desilusões e perdas somadas. Este é o tempo da poesia e da “sabedoria”, tempo de conhecer e de celebrar o amor, tempo de entregar a alma a Deus, para entrar no coração de Cristo e descobrir ali o profundo segredo da nossa vida escondida, o lugar certo do nosso repouso, onde tudo se passa e acontece.
Recentemente li O conto Retrato de Mônica" da obra Contos Exemplares: de Sophia de Mello Breyner Andresen, considerada uma das poetisas e escritoras mais importantes da Literatura Portuguesa.. O conto relata como Mônica lida com a sua vida social, mas ao mesmo tempo com a sua vida pessoal. Irei expor apenas um excerto:
Mônica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquérrima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, se dar com todos para que todos gostem dela, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mônica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre de algo que a Monica faz tão bem. Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mônica trabalha de sol a sol. Isto obriga Mônica a observar uma disciplina severa.
Mônica nunca tem uma distração. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricô para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mônica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a barra dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum. Não é o desejo do amor que a une a tudo isto, mas justamente uma vontade sem amor.
De fato, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mônica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias".
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Fonte: Trecho da homilia de D. Agostinho Carvalho OSB (1º de agosto de 2010 - Mosteiro de S. Bento - Salvador)
Foto: Banco de imagens do Google

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