domingo, 9 de janeiro de 2011

In Baptismate Domini



Jesus se aproximou de João para ser batizado por ele (Cf. Mt 3, 13). Que mensagem o Senhor nos quer dar com esse gesto? Tal como João ficara desconcertado, também nós o ficamos. Que Jesus não precisava de um batismo para purificá-Lo de pecados que Ele não efetivamente não cometera, resta óbvio. Mas, então, para que ser batizado? O próprio Senhor nos responde: “Sine modo, sic enim decet nos implere omnem iustitiam” (Mt 3, 15).


A Festa do Batismo do Senhor é a celebração do “mistério da humildade” por excelência. Mistério, porque só quando se mergulha no profundo do mistério de Deus é que se pode verdadeiramente entender o que pode a virtude da humildade.


O diálogo entre João e Jesus é um diálogo que, até o final dos tempos, há de se repetir continuamente entre os que não compreender a profundidade do mistério e os que, por certa noção superficial de justiça, ruborizam-se ante antes as proezas de que é capaz um coração verdadeiramente humilde.


Jesus não precisava ser batizado. Imaculado, não tinha pecados a lavar: não precisava fazer penitência. Seu movimento junto a João pedindo-lhe o Batismo pode ser entendido como um sinal de legitimação da missão de João Batista; um sinal concreto de sua perfeita conformação às contingências humanas, malgrado Seu afastamento do pecado; o gesto definitivo de Sua tomada de lugar entre os filhos de Adão. De certo, o Batismo do Senhor é um pouco de tudo isto, mas é essencialmente um gesto de humildade: o cumprimento de toda a justiça.


Aqui aparece o tema central desta “epifania”: Seu Batismo é uma questão de humildade. Jesus nos introduz no “mistério da humildade”, mistério central para a toda a vida cristã: no limite, a vida cristã é sempre uma luta no campo da conformação de nossa vida à trilha da humildade querida por Deus.


Jesus Se fez batizar às margens do Jordão para lembrar a todos nós que ninguém se pode julgar acima da Lei de Deus. Seu gesto de humildade é a perfeita antítese de nossos esforços cotidianos para contornar as contingências que julgamos ser-nos pouco favoráveis. Seja no campo da lei civil, seja no campo da lei moral ou da disciplina e lei eclesiásticas, nossa natureza decaída está sempre a buscar formas para que possamos nos subtrair ao império da lei: estamos sempre em busca de um salvo conduto que nos garante tranquilidade e poupe-nos os rigores da leis e normas. Jesus, contudo, quis cumprir toda a justiça!


O Evangelho de hoje nos recorda o quanto de imperfeito há em nosso modo de nos relacionarmos com os que, na Igreja ou na Sociedade, exercem as funções de governo. Jesus docilmente pede para ser batizado por João para mostrar-nos o caminho da submissão, o mistério da humildade. Fazendo-se batizar por João, Jesus nos recorda que Deus quer que tenhamos homens sobre nossas cabeças, que nossa submissão a Ele passa por nossa submissão a quantos Ele enviar e puser à nossa testa. Ademais, é tempo de lembrarmos o munus de governar está inserido no Sacramento da Ordem e não é dele distinto. Cristo continua a governar Seu Povo Santo através dos pastores que lhe põe à testa.


Nem sempre reagimos como Jesus: nem sempre reagimos com João. Em João também brilha a virtude da humildade, porque seu reconhecimento da divindade de Jesus não lhe impede de cumprir a sua missão. João não é invadido por uma falsa humildade que, na verdade, serviria apenas para “salvar as aparências”, para criar uma ambiência de falsa modéstia. Antes, João entende a verdadeira humildade reside em fazer-se instrumento para que se cumpra a vontade de Deus. Também aos que Deus chamou para as posições mais altas no seio da Igreja e da Sociedade, o Evangelho de hoje traz a mensagem da verdadeira humildade, aquela que não reside nas aparências, mas na aceitação da própria missão e da condição de instrumento de Deus. Não raro, vê-se hoje um despojar-se das próprias prerrogativas em nome de uma pseudo-humildade, ou melhor, em nome de um adaptar-se aos usos de nosso tempo. Toda vez a autoridade renuncia a suas prerrogativas, na verdade ela subverte a ordem querida por Deus e instaura em seu lugar os modismos de nossa época: aí não há verdadeira humildade, mas vaidade desregrada: prefere-se o próprio juízo a quanto foi inspirado por Deus ao longo da história.

O diálogo entre João e Jesus continua a repetir-se no ministério ordenado no qual os sacerdotes, pecadores embora, ministram em nome de Deus e in persona Christi capitis a todos nós. De certo, momentos há em que leigos santos são ministrados por sacerdotes pecadores, mas isto em nada pode comprometer a lógica querida por Deus. Ao contrário, aí mais do que nunca brilhará o mistério da humildade conformando a ambos no caminho da santidade.

Outras vezes, homens de maior tino ou mais aguçada inteligência defrontar-se-ão com superiores menos brilhantes ou mesmo inaptos no âmbito civil ou eclesiástico. Também aqui brilhará a virtude da humildade se cada um souber assumir seu papel sem reservas, sabendo-se sempre instrumento de Deus para o bem comum.


O encontro que o Evangelho de hoje nos narra é um encontro de homens verdadeiramente humildes, de uma humildade para muito além do trivial ou do superficial. João aceita batizar o Senhor porque sabe todo poder vem de Deus e deve ser exercido em Seu santo nome. Em tempos nos quais a ideia de que o poder vem do povo, isto é do homem, parece tão natural, São João nos ressoa aqui em antecipação as palavras do Senhor: “nenhum poder terias sobre mim se não lhe tivesse vindo do alto”! Jesus, por Seu turno, quer ser batizado por João porque deseja firmar para sempre a noção de que os desígnios imprescrutáveis de Deus estão muito acima de nossa capacidade de entendimento e avaliação. Cumprir toda a justiça, assim, significa prioritariamente submeter-se a uma lógica superior, a juízos cuja racionalidade pode-nos escapar, mas aos quais estamos absolutamente compelidos a obedecer.


Que o Senhor nos ajude a encarnar em nosso dia a dia o espírito de humildade que presidiu a Sua vida. Que o Senhor nos ajude a superara lógica de vã glória e de auto-suficiência de nossos dias para aprendermos d’Ele que manso e humilde de coração.


Ir. Tomás de Aquino (Emanuel) Santos Nonato, Obl. OSB

Foto: Paulo Yuji Takarada - no interior da Igreja Matriz Nossa Senhora de Soledade - Itajubá - Minas Gerais - Brasil


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